Orientação do espaço
O produto vetorial é uma operação que associa a dois vetores no espaço um vetor. Esta definido apenas para espaços de três dimensões (existe um caso para sete dimensões, mas ele não será tratado aqui). Assim como o produto escalar, ele tambem é uma função e pode ser entendido como uma transformação linear, embora a formalização das transformações lineares seja feita apenas em álgebra linear. Como os vetores carregam em si a noção de sentido e direção no espaço, o produto vetorial precisa da noção de orientação do espaço para se definir para onde aponta o vetor resultante da operação.
Observe a figura:
………. ……….
Por convenção adota-se a regra da mão direita, onde o polegar aponta na direção do produto vetorial e o indicador no sentido do primeiro vetor. Temos os vetores $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$ determinando um plano. Se fizermos o produto $\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}$, estamos adotando o sentido anti-horário e portanto, o produto vetorial aponta para fora (símbolo: $\odot$) do plano determinando por $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$. Se fizermos o produto $\overrightarrow{v} \times \overrightarrow{u}$, estamos adotando o sentido horário e portanto, o produto vetorial aponta para dentro (símbolo: $\otimes$) do plano determinando por $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$.
Nota: os livros brasileiros adotam o símbolo $\wedge$ para indicar o produto vetorial, enquanto os estrangeiros adotam $\times$. A notação com $\times$ é mnemônica e remete à regra de Sarrus para o cálculo de determinantes.
A seguinte figura sintetiza a regra da mão direita:
(1)Fazendo o produto vetorial de dois vetores, no sentido anti-horário (positivo), obtemos o terceiro. Se o produto for feito no sentido horário (negativo), obtemos um vetor oposto ao terceiro.
Bases positivas: concordam com a regra da mão direita.
Bases negativas: discordam da regra da mão direita.
Cálculo do produto vetorial
O cálculo do produto vetorial, em relação a uma base ortonormal $\{\overrightarrow{e}_{x},\overrightarrow{e}_{y},\overrightarrow{e}_{z}\}$, é definido da seguinte forma:
(2)Que é equivalente ao determinate:
(3)Expressão cartesiana do produto vetorial
Sejam $\overrightarrow{u} = x_1\overrightarrow{e}_x + y_1\overrightarrow{e}_y + z_1\overrightarrow{e}_z$ e $\overrightarrow{v} = x_2\overrightarrow{e}_x + y_2\overrightarrow{e}_y + z_2\overrightarrow{e}_z$, dois vetores no $\mathbb{R}^3$. Temos que:
(4)Aplicando a propriedade distributiva:
(5)Cancelando os termos com produtos de vetores iguais e aplicando a regra da mão direita:
(6)Fica assim demonstrada a fórmula do determinante apresentada anteriormente.
Propriedades do produto vetorial
As propriedades do produto vetorial dependem apenas dos vetores $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$. Assim como no produto escalar, elas não dependem da base escolhida, desde que seja ortonormal.
C1. $\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{u} = \overrightarrow{0}$ | (nulidade) |
C2. $\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v} = -\overrightarrow{v} \times \overrightarrow{u}$ | (anticomutativa) |
C3. $\overrightarrow{u} \times (\overrightarrow{v} + \overrightarrow{w}) = \overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v} + \overrightarrow{u} \times \overrightarrow{w}$ | (distributiva) |
C4. $(\alpha \overrightarrow{u}) \times \overrightarrow{v} = \alpha (\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v})$ | (multiplicação por escalar) |
C5. $\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v} = \overrightarrow{0} \iff \overrightarrow{u} \text{ e } \overrightarrow{v}$ forem LD | (paralelismo) |
C6. $\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}$ é simultaneamente ortogonal a $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$ | (ortogonalidade) |
C7. $\{\overrightarrow{u},\overrightarrow{v},\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}\}$ é uma base positiva | (convenção caso $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$ sejam LI) |
Prova de C1:
(7)Se duas linhas da matriz são iguais o determinante se anula e portanto, as coordenadas do vetor são $(0,0,0)$.
Prova de C2:
(8)Inverter o produto vetorial é o mesmo que trocar duas linhas da matriz. Essa operação não afeta dependência linear, mas inverte o sinal do determinante.
Prova de C3:
(9)Prova de C4:
(10)Multiplicar uma linha por uma constante multiplica o determinante pelo mesmo fator.
(11)De modo análogo demonstra-se que: $\overrightarrow{u} \times (\alpha \overrightarrow{v}) = (\alpha \overrightarrow{u}) \times \overrightarrow{v} = \alpha (\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v})$
Prova de C5:
Temos que $\overrightarrow{u} = \alpha \overrightarrow{v}$, logo:
(12)Se duas linhas são linearmente dependentes o determinante se anula.
Reciprocamente, se $\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v} = \overrightarrow{0}$, então $\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v} = (0,0,0)$. Isso significa que, ou uma das linhas é de zeros, ou uma linha é linearmente dependente com outra. Portanto, ou um dos vetores é nulo ou eles são linearmente dependentes.
Prova de C6:
Temos que $\overrightarrow{u} \cdot (\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}) = \overrightarrow{v} \cdot (\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}) = 0$. Então:
(13)Que é equivalente ao desenvolvimento do determinante:
(14)De maneira análoga verificamos $\overrightarrow{v} \cdot (\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}) = 0$
Concluímos então que $\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v} \perp \overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v} \times \overrightarrow{v} \perp \overrightarrow{u}$
Interpretação geométrica do produto vetorial
A norma do produto vetorial é a área do paralelogramo formado por $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$. Para este cálculo tanto faz a ordem do produto vetorial.
- $||\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}||^2 = ||\overrightarrow{u}||^2||\overrightarrow{v}||^2 - (\overrightarrow{u} \cdot \overrightarrow{v})^2$ (identidade de Lagrange)
(lembrando que: $||\overrightarrow{u}||^2 = \overrightarrow{u} \cdot \overrightarrow{u}$)
Por outro lado:
(16)e
(17)Juntando os dois desenvolvimentos anteriores como indicado pela identidade de Lagrange provamos a fórmula.
A identidade é uma igualdade de números, então podemos tambem escrever:
(18)- Se $\overrightarrow{u} \neq \overrightarrow{0}, \overrightarrow{v} \neq \overrightarrow{0}$ e se $\theta$ é o ângulo entre os vetores $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$:
De fato, de acordo com a identidade de Lagrange:
(20)(lembrando que $\overrightarrow{u} \cdot \overrightarrow{v} = ||\overrightarrow{u}||||\overrightarrow{v}|| \cos \theta$ e $\text{sen}^2 \theta + \cos^2 \theta = 1$)
(21)- Prova de que a norma do produto vetorial dá a área do paralelogramo
A área do paraleogramo é dada por $||\overrightarrow{u}||h$, com $h = ||\overrightarrow{v}|| \text{sen} \theta$. Então área do paralelogramo é $||\overrightarrow{u}||||\overrightarrow{v}|| \text{sen } \theta$. Mas $||\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}|| = ||\overrightarrow{u}||||\overrightarrow{v}|| \text{sen } \theta$. Fica então provado que a norma do produto vetorial é igual a àrea do paralelogramo.
Duplo produto vetorial
O produto vetorial depende da ordem. Portanto, temos que em geral $\overrightarrow{u} \times (\overrightarrow{v} \times \overrightarrow{w}) \neq (\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}) \times \overrightarrow{w}$. Isto é, o produto vetorial não é associativo.
- $\overrightarrow{u} \times (\overrightarrow{v} \times \overrightarrow{w}) = (\overrightarrow{u} \cdot \overrightarrow{w})\overrightarrow{v} - (\overrightarrow{u} \cdot \overrightarrow{v})\overrightarrow{w}$
- $(\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}) \times \overrightarrow{w} = (\overrightarrow{u} \cdot \overrightarrow{w})\overrightarrow{v} - (\overrightarrow{v} \cdot \overrightarrow{w})\overrightarrow{u}$
Em palavras: o duplo produto vetorial produz um vetor que é coplanar, ou linearmente dependente, aos vetores entre parênteses.
Regra prática para memorizar a fórmula:
Observe a seguinte figura:
Temos uma base ortonormal positiva orientada de tal forma que $\overrightarrow{e}_x$ é paralelo a $\overrightarrow{u}$, $\overrightarrow{e}_y$ é coplanar com $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$, e $\overrightarrow{e}_z$ paralelo $\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}$. Considere $\overrightarrow{u} \neq \overrightarrow{0}$ e que $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$ são linearmente independentes. O vetor $\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}$ é ortogonal a $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$. Da mesma forma, $(\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}) \times \overrightarrow{w}$ é ortogonal a $\overrightarrow{w}$ e a $\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}$. Consequentemente, $(\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}) \times \overrightarrow{w}$ esta contido no plano determinado por $\overrightarrow{u}$ e $\overrightarrow{v}$ e, portanto, $(\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}) \times \overrightarrow{w} = \alpha \overrightarrow{v} + \beta \overrightarrow{w}$.
As coordenadas dos vetores $\overrightarrow{u}, \overrightarrow{v}, \overrightarrow{w}$ são:
(22)Calculemos agora as coordenadas do produto vetorial entre parênteses e do produto fora do parênteses:
(23)Por outro lado:
(24)Fazendo a igualdade entre os dois últimos vetores:
(25)Obtemos então:
(26)Donde concluímos que:
(27)Note que:
(28)Assim fica provado que: $(\overrightarrow{u} \times \overrightarrow{v}) \times \overrightarrow{w} = (\overrightarrow{u} \cdot \overrightarrow{w})\overrightarrow{v} - (\overrightarrow{v} \cdot \overrightarrow{w})\overrightarrow{u}$
Esta fórmula pode ser expressa na forma de um determinante:
(29)E para o outro caso:
(30)